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“O excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma”



Se você está no século XXI, ano 21, provavelmente você possui alguma rede social ativa e faz uso com certa frequência. Além das redes, inúmeros aplicativos estão disponíveis para tornarem a nossa vida mais fácil, ágil e divertida. Tudo a alguns toques de distância.


Algo aparentemente inofensivo, mas que tem um potencial elevado para causar danos ao bem-estar e a saúde mental dependendo da forma e intensidade de utilização dessas plataformas. Muitos estudos têm sido feitos sobre esse tema e o material sobre isso é abundante.


Até aí não é novidade. Provavelmente, você já ouviu falar sobre isso, já leu um artigo ou assistiu algum documentário que revela informações detalhadas sobre o malefício que as redes podem causar. Não é nada novo.


Quando lemos ou ouvimos algo sobre este assunto, a tendência até é em concordar, dizer que faz sentido, mas no fim das contas, mudamos pouco ou em nada os nossos hábitos, já que sentimos que “não vamos cair nessa” e “comigo é diferente”.


Porém, o que eu tenho visto acontecer com muitos profissionais que eu atendo é que a forma com a qual a rede contamina é bem mais lenta e sorrateira do que parece.

Acontece de forma imperceptível, você quase não nota até que o problema esteja instaurado.

Durante as conversas de Coaching, vamos trabalhando juntos em direção a algum objetivo profissional e nesse processo vamos mapeando alguns bloqueadores de desenvolvimento, pensamentos, crenças e comportamentos que podem estar atrapalhando esse profissional.


Nessa jornada, fui identificando uma recorrência de pensamentos destrutivos que se iniciaram a partir do contato com conteúdo de perfis influenciadores.


Vou dar um exemplo de como isso acontece: quando você assiste vídeos e dicas de produtividade em um perfil que demonstra ter total controle sobre o tempo através de uma rotina invejável e você sente que não vai conseguir se adequar a esse padrão perfeito, ou tenta e não dá certo, isso gera muita frustração, desconforto e a sensação de que você não é bom o suficiente, portanto, não vai ter sucesso.


Na sua mente começa a acontecer um discurso interno comparativo, que julga e critica a si mesmo, ao outro, e à sua realidade individual o que gera muita insatisfação e sensação de fracasso.


O filósofo, professor e autor Byung-Chul Han traz muito bem essa questão quando coloca que:

"o mundo atual é ditatura interna em sistemas democráticos livres".

Ainda referenciando o mesmo autor, em seu livro Sociedade do Cansaço, ele aborda que

“o excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma

bem como

“o cansaço da sociedade do desempenho é um cansaço solitário, que atua individualizando e isolando.”

Aspectos fundamentais para refletirmos com profundidade e começarmos a tomar consciência do que pode estar passando nas nossas vidas e algumas das fontes da ansiedade e depressão.


Vou dar alguns exemplos reais que vivenciei durante as sessões de Coaching para exemplificar o que estou tentando expressar.


Obs: não chegamos a essas conclusões de forma rápida, foi preciso ir gerando aumento de consciência ao longo das sessões, pausa para pensar, muitas perguntas, aprofundamento aos poucos até conseguir mapear esse cenário que, como mencionei antes, se constrói devagarinho de forma quase imperceptível e, por isso, perceber que você já está inserido nele pode ser difícil.


- “Adorava ler mas, quando passei a seguir um perfil de uma pessoa que tinha várias técnicas de leitura rápida e lia dezenas de livros em um curto espaço de tempo, eu perdi o estímulo e prazer por esse hábito já que sentia que não estava sendo boa o suficiente nisso, que tinha quer ler mais e ser melhor.”


- “De repente, comecei a questionar o meu casamento e os hábitos da minha esposa, começou a haver uma grande desconexão entre nós, agora eu percebo que isso talvez tenha acontecido porque os influenciadores de empreendedorismo que eu sigo defendem a ideia de que é financeiramente ruim ser casado.”


- “Ouvi a frase que diz que para ter sucesso é preciso ser “foda” em algo e sinto que não sou boa o suficiente ainda, será que serei boa no que eu faço? Não sei se vou conseguir e isso me deixa muito desestimulada.”


- “Sinto que tenho que ter foco e preciso produzir muito mais, ouvi isso de uma pessoa que eu sigo e eu estou ficando muito ansiosa. Eu acabo que não faço o mínimo por conta dessa ansiedade. Na verdade, antes de ver esses vídeos minha vida estava boa, produzindo meus trabalhos, financeiramente estável, mas agora me sinto muito ansiosa.”


- “Vejo a ideia do trabalho perfeito sendo defendida nas redes e a frase famosa que diz “trabalhe com o que você ama e nunca sentirá que está trabalhando” e isso me dá muita frustração, me faz ficar cada vez mais insatisfeita com a minha rotina e com o que eu faço, mas antes eu não me sentia assim. Estava satisfeita e agora não sei mais se sirvo para a minha área, não sei mais o que fazer...”


Talvez, você tenha se conectado com alguns desses cenários.

Todos nós estamos passíveis dessa sensação.


Um discurso muito forte nas redes é sobre o que você deve ser ou tem que fazer para ser bem-sucedido(a), realizado(a), produtivo(a), feliz, rico(a) e ter a carreira/vida/relacionamento/corpo dos sonhos.


A minha preocupação é que esse discurso do “seja assim” e “faça isso” não funciona para todo mundo! Talvez, inclusive, funcione para poucos... Esse tipo de abordagem desconsidera completamente a individualidade, personalidade, contexto, história de vida e o perfil comportamental de quem recebe a informação.


Esse discurso perfeito quase não se aplica na prática, como reforça a colocação do historiador, professor e escritor Leandro Karnal:

"crença mágicas são ótimas para serem estudadas, mas são péssimas para serem vividas."

Quando, sistematicamente, ficamos expostos a esse tipo de discurso do perfeito, lentamente, ele vai gerando uma comparação interna e os resultados disso são a baixa autoestima, muita frustração por não conseguir ser esse padrão, ansiedade, depressão, tristeza entre outros.


Mas, Germana, então não há bons conteúdos nas redes? Não devo querer melhorar?


É claro que encontramos muitos materiais bons na rede e, se fizer sentido, devemos sim buscar o nosso desenvolvimento. Entretanto, sempre precisamos estar atentos da aplicabilidade disso nas nossas vidas, fazer uma análise crítica do que está sendo lido ou visto e fazer as devidas adaptações para respeitar a nossa realidade. Essa etapa de análise raramente é ensinada nas redes e é o que pode ajudar a reduzir tantas frustrações e comparações.


Apenas comece a observar como você se sente quando entra em contato com os perfis que você segue e como isso altera o seu bem-estar e o seu humor. Pergunte-se: Estou me sentindo melhor ou pior depois de acessar esse perfil? Fiquei motivado(a) ou frustrado(a)? Se as respostas caminharem no sentido da desmotivação, da cobrança interna, da ansiedade e frustração, talvez você deva considerar parar de seguir esse perfil. Caso contrário, tudo bem! De qualquer forma, continue sempre fazendo a sua análise crítica.


Também quero reforçar que as redes são um festival de palcos. O que mais encontramos são posts bonitos, com a melhor selfie, o melhor conteúdo, o sucesso, mas por traz desse palco há o bastidor, a vida real, cheia de imperfeições e dificuldades (a vida normal como ela é!).


Mas, enquanto navegamos na rede olhando esse festival de palcos estamos vendo tudo isso da perspectiva do nosso próprio bastidor (que muitas vezes pode estar em um momento péssimo)! Percebe o quão nocivo isso pode ser?


Há um tempo escrevi um artigo sobre essa comparação do palco x bastidor, caso queira ler mais sobre isso clique aqui.


Bem, senti a obrigação de compartilhar essa visão com você para que eu possa contribuir para o seu bem-estar e trazer essa atenção, essa conscientização, para os conteúdos que você vem consumindo nas redes e como eles podem estar impactando diretamente na sua vida, em vários campos, sem você perceber ou permitir que isso aconteça.


Conte comigo!


Um forte abraço,

Germana.

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